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domingo, 10 de outubro de 2010

Cai mais uma milícia


Comandado por policial civil, grupo preso ontem dominava três bairros na Zona Oeste


Antônio Werneck, Daniel Brunet e Ruben Berta – O Globo

Oito pessoas foram presas — entre elas, um inspetor da Polícia Civil, um subtenente do exército e dois policiais militares — durante uma operação para desarticular mais uma milícia que atuava na Zona Oeste do Rio. Batizada de Biscoito, a operação foi deflagrada na madrugada de ontem pelos policiais civis da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas (Draco) e pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público estadual.

O grupo paramilitar atuava na região de Pedra de Guaratiba, Ilha de Guaratiba e Barra de Guaratiba, com faturamento estimado em mais de R$ 1,2 milhão por ano, apenas com a exploração ilegal de TV a cabo.

Segundo o delegado Claudio Ferraz, titular da Draco, e o promotor Marcus Vinícius Leite, do Gaeco, ficou comprovado durante as investigações que o chefe da milícia, conhecida como Piraquê (daí a operação “Biscoito”), era o inspetor Eduardo Pinto da Cunha, atualmente lotado na 36ª DP (Santa Cruz), mas que até bem pouco tempo trabalhava na 43ª DP (Guaratiba). Os policiais do setor de Inteligência da Draco disseram que foi o inspetor Cruz que, há seis meses, prendeu um grupo de milicianos que atuava na região.

Depois das prisões, o próprio inspetor assumiu a milícia, passando a explorar sinais de TV a cabo e venda de botijões de gás, e cobrando dos comerciantes até R$ 50,00 semanais como “taxa de segurança”.
Grupo teria matado cinco pessoas

A Draco também está investigando a relação do grupo com pelo menos cinco assassinatos. As mortes teriam ocorrido durante a tomada da área.

Também há no inquérito policial, encaminhado à Justiça estadual, nove tentativas de homicídio atribuídas à milícia. Nas investigações, foi possível ainda recolher depoimentos de testemunhas que acusam os policiais, principalmente o inspetor Cunha, de espancamentos, ameaças e supostos assassinatos.
Os bairros de Ilha e Barra de Guaratiba ficam próximos à Serra da Grota Funda. Barra de Guaratiba tem entre seus principais atrativos os restaurantes das “tias”, especializados em frutos do mar, e o Sítio de Burle Marx. A Ilha — que, na verdade não é uma ilha, e teria esse nome por causa de um oficial inglês chamado William, que freqüentava a região no início do século XIX — possui muitos sítios, principalmente voltados para o cultivo de plantas ornamentais. O bairro irá receber o Túnel da Grota Funda, nova ligação com o Recreio dos Bandeirantes.

Já Pedra de Guaratiba fica numa região banhada pela Baía de Sepetiba e é uma área que tem crescido muito nos últimos anos, de forma desordenada, com o surgimentos de favelas como a do Rio Piraquê. Recentemente, a Praia da Brisa, mais conhecida da região, foi revitalizada e voltou a atrair frequentadores.

Das dez pessoas que tiveram os mandados de prisão expedidos, oito foram capturadas. Duas continuam foragidas: Sebastião Bastos Maranhão da Costa, o Tião; e Jacson Alves dos Santos, o Kojack. Os policiais foram presos com a ajuda da Corregedoria Geral Unificada (CGU) e a Corregedoria Interna da Polícia Civil (Coinpol), que participaram da operação desde as primeiras horas da manhã.

Um comboio de policiais civis deixou a sede da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas (Draco), na Gamboa, e seguiu para a Zona Oeste — Pedra de Guaratiba, Ilha de Guaratiba, Barra de Guaratiba e Barra da Tijuca — onde moram os acusados de participar da milícia. Além das prisões, durante a ação, os policiais cumpriram 18 mandados de busca e apreensão.

Três armas foram apreendidas: um rifle mauser sniper, um fuzil e uma pistola Taurus. Todas recolhidas na casa do policial civil. Segundo o delegado Claudio Ferraz, a milícia já utiliza a mesma rede de fornecimento de armas dos traficantes de drogas.

— Já temos informações robustas de que os milicianos estão usando a mesma rede de fornecimento de armas que alimenta o tráfico do Rio.

Numa investigação recente, chegamos a grampear um policial militar, que acabou preso, conversando com um colega de farda sobre arma apreendida com traficante e que deveria ser repassada a milicianos — afirmou Ferraz.

Segundo as investigações da Draco, que coordenou a operação de ontem, a milícia de Cunha assumiu o comando da região em julho deste ano.

A primeira medida foi implantar um toque de recolher: das 23h às 5h ninguém poderia passar pelas ruas.
Quem entrasse na favela depois das 20h, era revistado pelos milicianos.
Eduardo Cunha, que era lotado na 43aDP (Guaratiba), circulava pela comunidade com uma viatura da delegacia para intimidar os moradores.

Os milicianos impuseram uma taxa de segurança na favela Piraquê. Moradores que se recusavam a pagar eram espancados. Eles eram obrigados ainda a repassar dinheiro ao grupo quando vendessem alguma casa ou terreno na comunidade. O grupo controlava ainda, de forma ilegal, a distribuição de gás e de sinais de TV a cabo. Ontem, técnicos subiram em postes para desfazer as ligações clandestinas.

— A milícia era liderada por um policial civil e continha um núcleo familiar, à semelhança da conhecida “Liga da Justiça”, que aterrorizava Campo Grande. A presença de policiais militares e de um integrante do exército potencializava as atividades do bando — analisaram os promotor Marcus Leite e Claudio Varela, do Gaeco.

Além do inspetor Cunha, foram presos o subtenente do exército Marco Antônio Cosme Sacramento e o policial militar Marcos Antônio Pisente Canário, o Marquinhos. Os outros quatro presos são da mesma família: Geraldo Maranhão da Costa, conhecido como Velho; os filhos dele, Pedro e Isabel Maranhão; e o sobrinho Antônio Luiz da Costa. Maranhão e o policial militar Ubirajara Rodrigues Gama Filho, do 31º BPM (Recreio), estavam logo abaixo de Cunha na escala de comando.

Os dez foram denunciados por formação de quadrilha armada. Se condenados, Cunha, Maranhão e Gama podem ter uma pena maior que a dos demais, por serem os líderes. Para esse tipo de crime, a pena prevista é de, no máximo, 12 anos de prisão.

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