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quarta-feira, 3 de março de 2010
SOBREVIVENTE DE SEQUESTRO NO BRASIL BUSCA REFÚGIO NOS ESTADOS UNIDOS
O engenheiro civil C.H.C. alega ter sido alvo da ação de milícias no Rio de Janeiro
O engenheiro civil C.H.C., de 46 anos, alega ter sido alvo da ação de milícias na Zona Oeste do Rio de Janeiro
Futura sede da Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016, a “Cidade Maravilhosa”, cartão postal do Brasil, abriga camufladamente milícias, uma força paralela e não oficial formada por policiais que tiram traficantes de drogas das favelas cariocas e controlam a vida das comunidades carentes. Atuando de forma eficiente no estilo “rei morto, rei posto”, agentes corruptos expulsam marginais, assumem o controle da entrada e saída de pessoas nos morros e cobram uma quantia mensal dos moradores por “proteção”. Não pagar as milícias, pode ser tão perigoso quanto conviver com a criminalidade cotidiana, que há décadas vem deteriorando a qualidade de vida na capital fluminense e fazendo vítimas inocentes. Como um câncer que não discrimina entre sexo, raça, idade e religião, ninguém está imune aos efeitos devastadores da violência na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
O engenheiro civil C.H.C., casado, 46 anos, que pediu para não ser identificado por questões de segurança, foi mais uma vítima da ação de milícias. Ele alega que em 18 de janeiro desse ano, sofreu uma tentativa de seqüestro por recusar-se a pagar o “pedágio” cobrado por “milicianos”, policiais da ativa e reserva formadores de milícias. Apesar de não morar necessariamente em uma área carente, a proximidade de sua residência à favela Vila da Miséria, no Largo do Tanque, o pôs no perímetro de atuação dessa força paralela que quase lhe custou a própria vida e comprometeu o bem-estar de sua família.
“Hoje, a violência no Rio é generalizada, mas escondida. Existe o tráfico, o traficante, e o problema agora são os ‘milicianos’, compostos de policiais da ativa e reserva que se unem para poder tomar o morro do traficante. Na verdade, nessa situação não age a força policial legal, quem vai são os milicianos, que entram e têm a amizade e respaldo da polícia e fazem o serviço, dar tiros”, disse ele.
Segundo C.H.C., todos os meses é passada uma lista de coleta na área, através da qual os residentes nas áreas carentes são coagidos a pagar a quantia de R$ 10 por “proteção”, ou correm o risco de sofrer represálias. “Todos os meses é passada uma lista de todas as moradias, quando todos devem dar dez Reais por casa. Já no comércio, o valor é diferente, ou seja, há uma variação de valores”, detalhou.
Após a recusa em pagar tal pedágio à milícia, na noite de 18 de janeiro, as vidas de C.H.C. e sua família tomaram um rumo dramático, culminando com uma tentativa de seqüestro, segundo ele. “Quando desci do carro e abri o porta-malas para pegar as compras, encostou um Palio com quatro indivíduos no interior, muito rápido. Dois deles me renderam e anunciaram um seqüestro, no meu carro. Lá, essa violência é normal”, disse.
Entretanto, na Praça Seca, ainda em Jacarepaguá, C.H.C. percebeu que os seqüestradores tomaram o rumo do Morro São José, na serra da Covanca. “Estranhei quando percebi que eles estavam me levando para o morro, então, perguntei: Vocês já têm o carro e o dinheiro, então, o que querem mais? A porta estava destravada e no momento que ele reduziu a velocidade para entrar à direita eu abri a porta e pulei. O cara que estava na porta atirou”, disse ele.
A bala passou a poucos centímetros da cabeça do engenheiro, que se levantou e começou a correr. “Eu corri que nem um desesperado, descendo o morro, por volta de dez e quinze da noite, até chegar à Praça Seca, em um ponto de taxi”, comentou.
Ao entrar no taxi, ele dirigiu a 28ª Delegacia, localizada na Praça Seca, onde preencheu o boletim de ocorrência. Entretanto, depois do incidente, vários veículos estranhos começaram parar em frente à casa do engenheiro. “À noite, chegando do trabalho, observei um Gol com vidros escuros e falei com a minha esposa: Esses caras estão me vigiando, porque eu chego e eles saem”, disse ele.
Após deixar os filhos e a esposa na residência de sua mãe e sofrer outra tentativa de seqüestro, C.H.C. rumou à cidade de Cabo Frio, onde possui uma casa de verão e conversou com policiais amigos em busca de ajuda. Após contratar um policial como segurança, identificado como “Mauro”, o engenheiro retornou acompanhado a Jacarepaguá. Na mesma noite, quando o segurança contatou a polícia local para perseguir os veículos que estavam estacionados em frente à casa de C.H.C., ambos tiveram uma surpresa.
“Eles (policiais) foram realmente ao final da rua, mas quando chegaram lá viram que eram colegas. A milícia era formada por policiais. O segurança me disse que eles (policiais) não revelariam o que aconteceu lá em cima”, disse ele.
C.H.C. atua como engenheiro há 16 anos e, eventualmente, realiza o pagamento do salário dos operários da empresa onde trabalha, em virtude disso, ele acredita que membros da milícia pensam que ele seja proprietário de uma construtora.
“Sou um engenheiro que faz o pagamento da empresa, então, para eles eu sou construtor e tenho dinheiro. Eles acham que eu sou o dono da empresa. Eles acham que eu tenho grana e o objetivo final disso aí é o seqüestro, por isso, eles ainda estavam tentando. O que ocorreu no primeiro (seqüestro), quando eu saí do carro e quase levei um tiro, o final não seria aquele. Eles iriam pedir um resgate”, concluiu ele.
O engenheiro disse que buscou a ajuda das autoridades locais. “Tive que sair do local, onde eu moro. Fui à autoridade policial. Voltei à delegacia (41ª) da área, onde me disseram: Não podemos fazer nada por você. Eles me disseram para eu me mudar. Fui à primeira delegacia (28ª), onde preenchi o boletim de ocorrência, e a resposta foi a mesma: Não podemos fazer nada por você. Fui a um primo que é policial e ele me disse: O que eu posso fazer é resguardar seus filhos, somente posso te ajudar nisso”.
“Você fica numa situação difícil, porque as autoridades locais não te dão esse respaldo”, acrescentou.
Depois de encontrar um local seguro para sua família, C.H.C. buscou refúgio nos Estados Unidos, onde possui duas irmãs residentes no estado de New Jersey. Ele disse que não sabe se pretende ficar nos EUA, pois precisava de um lugar neutro para poder avaliar a situação.
“Tive que pegar um avião, mas não queria dar esse prazer a eles (milicianos). Larguei meus filhos, mulher e profissão. Vim para cá contrariado, pois não adianta chegar aqui e deixar a família na mira desses caras”, disse ele.
C.H.C. enfatizou a necessidade urgente das autoridades brasileiras terem noção da dimensão do problema. “Na verdade, através dessa entrevista que estou concedendo, eu gostaria que as autoridades brasileiras tivessem noção do que está ocorrendo, porque é uma pura mentira o que eles estão ‘divulgando. Eles investem no turismo e ninguém tem segurança. O turista lá toda hora é assaltado, eles matam. Isso na área mais policiada que é a zona sul”, disse ele.
O engenheiro não definiu seus planos para o futuro e demonstrou pessimismo com relação à manutenção da segurança durante a Copa Mundial e as Olimpíadas. “A polícia está atuando na zona sul, onde ocorrerão os jogos, na Barra da Tijuca. Existe a conivência das autoridades sim, pois se elas tiram o tráfico, porque não tiram a milícia? Vale a corrupção, porque eles (milicianos) ficam com tudo dos traficantes e ainda cobram pedágio dos moradores. De repente, estou sofrendo represálias porque não aceitei a pagar o pedágio que a milícia exigiu”, concluiu.
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